A primeira coisa que me vem à cabeça quando penso em himalion, e no belíssimo “Blooming”, é viagem. Porque é um daqueles discos que nos carrega em ombros e transporta para um mundo dentro dele. E enquanto escrevo isto e a “Make it Rain” vai tocando em loop, volta a chover lá fora, fazendo um encaixe magico entre mim, o disco e a própria natureza.
É muito isto que esta nova criação do Diogo Sarabando passa para quem a ouve. Um disco que se sente, e que faz sentir. Uma mistura de nostalgia, sentimento e saudades.
E é enquanto viajo pelas 12 canções deste disco que me sento à conversa com o Diogo, sobre este trabalho, sobre a vida e sobre as suas influencias.
Olá Diogo, como tens estado nestes últimos meses?
Olá Malta! Os últimos meses foram passados a preparar o set em formato de sexteto para a apresentação do BLOOMING na Casa da Cultura em Ílhavo no dia 2 de Julho, e paralelamente a aprimorar as versões a solo para alguns concertos que tenho previsto para o resto do ano – por causa da pandemia e de todas as restrições o formato “solo set” é o que vai andar mais pela estrada, e ainda requer alguma experimentação.
De onde surge a vontade de criar “himalion” e de onde te veio a ideia para o nome já agora.
himalion surgiu de forma algo natural no seguimento de um outro projecto onde eu fazia literalmente tudo (e é por isso que não saiu assim tão bem) para perceber como funcionavam as coisas e como era esta sensação de mostrar músicas ao mundo. Com o passar do tempo, comecei a focar-me mais no folk, na escrita de músicas que contivessem uma componente de canção e uma componente mais textural do que o trabalho que eu tinha
feito até ali. Inevitavelmente este novo caminho pedia uma nova identidade e então ao longo de ano e meio criei o que viria a ser himalion.
A minha formação é em biologia, e eu desde cedo queria que este projecto tivesse um animal no nome. A minha espécie favorita é o leopardo-das-neves, mas “snow leopard” não ficava muito agradável. Entretanto pesquisei como se dizia neve e leopardo em várias línguas. Uma tradução para “neve” prendeu-me logo – hima, neve em sanskrit. Passados uns tempos estava a ver um documentário sobre os Himalayas e por alguma razão fiz uma ligação na minha cabeça e apareceu “himalion”. Apesar de não ser leopardo, leão das neves é uma entidade divina do Tibete que representa entre várias coisas os ermitas que vivem nas montanhas – como a estória do primeiro EP EGRESS (2020) já estava delineada (e retrata uma viagem que tem o início na montanha) tudo se encaixou e de uma lista de 200+ nomes segui com himalion.
A pandemia fez com que o mundo se tornasse muito diferente no ultimo ano e meio, achas
que também te influenciou a ti e à tua perceção sobre a música?
Em termos práticos, assim que o país entrou em confinamento comecei logo a trabalhar no BLOOMING. No dia 13 de Março já estava a começar as gravações da pré-produção de algumas músicas que já tinha escrito e que eram diferentes do EGRESS e como tal não entraram. Por isso pouco mudou nesse sentido. De Março de 2020 a Abril deste ano foi sempre a trabalhar no álbum.
Em relação ao ambiente da “indústria” da música (e de tantas outras), obviamente que a pandemia expôs as fragilidades do sector e penso que isso faz qualquer profissional repensar o seu futuro, principalmente quem começou projetos em 2019/início de 2020 como é o meu caso.
Lançaste um ep o ano passado, este ano um disco, de alguma forma este tempo em confinamento ajudou à tua criatividade, ou foi mais a vontade de fazer música e por cá fora
os sentimentos?
Como referi ali em cima, esta transição para o novo trabalho foi na verdade um contínuo de composição e produção. O confinamento obrigou a olhar para dentro, porque não havia grande coisa de novo a acontecer à minha volta (apesar da pandemia, claro). Penso que é por causa disso também que parte do disco é sobre aborrecimento. No entanto não foi a pandemia que fez com que eu quisesse fazer música, mas certamente me deu mais tempo para organizar alguns pensamentos e perceber melhor o que poderia fazer com este novo trabalho e com este projecto.
Se tivesses que definir o teu ultimo álbum “BLOOMING”, como é que o definirias?
O BLOOMING é um álbum de primavera, é um registo muito mais aberto que o primeiro EGRESS onde tentei trazer um mundo de influências diferentes e tentar focar mais na canção do que na parte textural, ou pelo menos de criar um melhor balanço. Liricamente tentei abordar temas de crescimento, aborrecimento e isolamento (inevitavelmente) e também, de forma algo escondida, a minha reação ao lançamento do primeiro EP.
Como é que foi o processo criativo à volta dele?
Inicialmente, entre Março e Maio, este álbum era apenas um EP com 5 músicas. Por isso nesse período de tempo, escrevi e fiz a pré-produção (já com algumas gravações finais) desse EP.
Entretanto tive uns contratempos e as baterias da primeira vez também não ficaram muito bem gravadas, e na altura de re-gravar eu já tinha mais 3 ou 4 músicas que achava que só faziam sentido se associadas a este outro conjunto. Perguntei então ao rapaz que gravou as baterias e percussões (Micael Lourenço) se poderia aguardar mais uns tempos que eu ia tentar apontar para o LP e escrever mais umas 7 ou 8 músicas durante esse tempo.
A gravação foi feita 85% no meu estúdio – puppy garden studios – que é só o nome que dou ao meu quarto, com algum do material emprestado por amigos meus. Entretanto as trompas (Fábio Rocha + Rúben Almeida), bateria e percussão (Micael Lourenço) gravei na casa da música em
ílhavo, um bocado de forma ingénua até porque nunca sequer tinha gravado trompas ou ouvido uma a tocar à minha frente. Com o álbum quis trazer algumas participações de músicos da zona de Aveiro, e por isso aqui e ali no álbum ouvem-se o João Samuel Silva (flautas transversais; saxofone), a Vanessa Oliveira (coros), Teresa Queirós (voz), Fábio Rocha (contrabaixo) e também do Porto – Tiago Lopes (coros), Teresa Tenrinho (violino com transcrições do Pedro Gomes).
A parte da escrita das letras é sempre a que demora mais porque eu quero certificar-me que todas as palavras que lá se encontram são as que devem lá estar. Então esta parte durou quase até ao fim, quase até às próprias gravações das vozes. Em relação à mistura, por causa do confinamento teve de ser um processo remoto. O álbum foi misturado pelo Paulo Mouta Pereira e a meio encontramos forma de conseguirmos estar em tempo real a misturar os dois, com partilhas de ecrã e áudio, que apesar de não ser o ideal cara-a-cara simplificou em muito o processo.
A masterização pelo Vitor Carraca Teixeira foi a parte talvez mais simples porque ele compreendeu de imediato o som que procurava então foi quase à primeira, e foi mais tarde apenas uma questão de só rever uns detalhes.
É um álbum, tal como todo o projeto himalion, marcadamente indie-folk, houve alguma banda ou artista que te influenciou?
Apesar da imagem geral que passa e que acaba por ancorar himalion ser o indie-folk, é talvez das coisas que desde que comecei o projecto menos ouço. Ultimamente o que me tem movido mais é explorar álbuns (geralmente antigos) de “world music” – Hailu Mergia, Batsumi, Docteur Nico, Orquestra Afrosinfônica, e muita outra malta. Há um projecto português chamado Sete Lágrimas que tenho ouvido bastante também. Além disto tenho-me debruçado sobre alguns dos grandes guitarristas clássicos.
Há relativamente pouco tempo apercebi-me que também talvez haja aqui uma grande influência que eu ouvi bastante na adolescência, e que de alguma forma deve ter ficado adormecida – ou então é um simples caso de convergência criativa – que é o Paul Simon.
Toda a ideia de criar este tipo de pontes entre várias culturas e de participar na troca musical é uma coisa que talvez venha a ser mais pronunciada nos próximos trabalhos enquanto himalion.
Tens algum músico com quem sonhes partilhar o palco ou fazer uma colaboração? Se sim, quem?
Palco talvez não porque não é a parte que ainda me move muito, mas estúdio sim. No mapa internacional adorava trabalhar com o Blake Mills, ou então nem sequer trabalhar/colaborar, apenas gostava de ver presencialmente como ele processa as coisas e como se mexe no estúdio.
Em termos de escrita e ainda no internacional, talvez o Tim Bernardes. A nível nacional há mesmo muita malta que gostava de colaborar – sem ordem específica – Noiserv, MARO, miramar, bruno pernadas, o turquesa, e outra tanta gente talentosa.
E Que Amor é Este, Diogo?
É uma boa pergunta que não sei se consigo bem responder! Quando penso nos porquês de fazer isto, não existe realmente uma razão especifica, apenas tento fazer porque sim. Mas fico de pensar melhor nesta questão…!
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Entrevista por: Mikael Gonçalves
