Ouvir :PAPERCUTZ é assumir uma entrada ousada e revolucionária no mundo da pop eletrónica – escrevo isto enquanto passo por “Your Beliefs”, um dos meus singles favoritos, deste projeto.
Em Setembro, :PAPERCUTZ, projeto de Bruno Miguel, terá o seu próximo trabalho “So Far, so Fading”, adiado pelo confinamento mas que irá ser editado pela alemã K7 Records e, eu, não quis perder a oportunidade de falar um pouquinho sobre isto.
Olá, Bruno! Tudo bem? Bem-vindo ao cantinho da Que Amor É Este!
Obrigado pelo convite Teresa e parabéns pelo teu projeto.
Quando é que nasce este gosto pela produção musical?
Eu diria que começa com o desenvolvimento de um CD multimédia que acompanhava a transformação dos Maus Hábitos no espaço cultural atual. A ideia do estúdio que o criou, de nome Go Go Pixel, seria que houvesse uma sonorização das salas virtuais, e isso obrigou-me a colocar-me pela primeira vez no papel de produtor. Eu gosto de descrever o produtor como aquele que tem um visão alargada de um projecto (música neste caso) e de todos os seus elementos e que faz, em parte, ele acontecer. Não é obrigatório este sequer saber escrever música, veja-se o caso de Rick Rubin mas no meu caso em particular, eu já desempenhei no passado todos os papéis por detrás de uma edição discográfica e mantenho alguma aprendizagem que aplico em :PAPERCUTZ ou com outros artistas. E felizmente hoje em dia com pessoas bem mais capazes de desempenhar as tarefas mencionadas que eu, como gravação, mistura, etc simplesmente possuo o entendimento básico para comunicar a ideia do projeto a estes.
A entrada pelo mundo da pop sempre foi algo com o que sonhaste fazer? Quais foram (ou são) as tuas maiores influências?
De todo. Sempre gostei de música de base electrónica, isso sim, mas a experimentação à volta de canções só começa mais tarde. Sinto no entanto que por vezes o termo Pop é derrogativo, quando eu vejo uma forma de poder chegar a um público não erudito, e que não deixam de se sentir interessados por novas sonoridades. As minhas maiores influências sempre foram artistas com uma identidade própria, um trabalho, uma visão, cujas pessoas, com algum tempo, começam a compreender e rever-se nele. E isso é um processo que nunca terminou, a pesquisa destas vozes, e muitas vezes à volta do registo que estou a desenvolver no momento. No caso em particular do último álbum de nome King Ruiner, por exemplo, uma das influências foi Jon Hassell que se ouvires o trabalho dele não entendes logo o porquê. Isso acontece porque por vezes as ideias e os conceitos são também motivos de aprendizagem e Hassell desenvolvia um trabalho de ‘World Music’ muito particular. Ou seja ele criou, seguindo a escola Les Baxter e do movimento bem mais pastiche de nome Exotica, música que soa global sem colar elementos, efectivamente criando uma estética nova ao qual se deu o nome de Fourth world music , e que não pode ser geograficamente enclausurada. Em King Ruiner, eu tentei algo semelhante, mas no formato da Pop electrónica, as canções soam exóticas mas não presas a nenhum lugar em particular … é uma total ficção sonora. E por falar em ficção uma boa parte da influência também passa pelo cinema e literatura, tanto a nível de áudio como lírico.
Já contas com uma série de digressões além fronteiras. Ser português é uma entrave ou pelo contrário não sentes, de todo, que seja algo que coloque o teu trabalho à prova?
Já foi um pequeno entrave sim, tenho que admitir. Os promotores tinham alguma desconfiança do nosso profissionalismo porque simplesmente não conheciam nem nunca tinham trabalhado com artistas Portugueses. Mas hoje em dia, isso não acontece. Aliás muitos até conhecem ‘in loco’ o País, ou pronto, Lisboa. Já é alguma coisa. Temos que fazer o trabalho restante e potenciar as outras cidades como o Porto ou Braga. Sempre achei que no caso da minha cidade existe um lado mais cinzento, associado à sua arquitectura que poderia ser comunicado e em parte isso acontece com :PAPERCUTZ. E mais que Português, penso fazer parte de uma geração que se vê como cidadãos do mundo.
O que podemos esperar do próximo trabalho de :PAPERCUTZ?
Para 2021 os :PAPERCUTZ preparam um novo EP de nome ‘So Far So Fading’ que alude ao estado impermanente e efémero de dias decorridos, reunindo novos arranjos de canções das diversas edições do projecto e composições originais com convidados como o orquestrador Bruno Pinto Ferreira e um ensemble de músicos de formação erudita e algumas cantoras, tal como aconteceu com King Ruiner mas com o confinamento vi-me numa situação óptima de trabalhar com apenas vozes nacionais e fiquei muito satisfeito. Não quero dizer que a pandemia teve aspectos positivos dado o seu peso na saúde de todos mas abriu algumas portas que não tinha considerado.
No próximo dia 11 de Julho vamos ter a oportunidade de vos ver e ouvir numa das salas mais bonitas do país: o Theatro Circo. O que podemos esperar deste concerto?
Para o Theatro Circo o espetáculo que vamos apresentar tem o nome Choral, parte do álbum King Ruiner e explora tanto uma tradição oral como melodias contemporâneas num trio de vozes femininas cujo registo se complementa sob a base de música electrónica. Conta ainda com um desenho de luzes imersivo por Pedro Rompante de propósito para o concerto.
E para finalizar…que amor é este, Bruno?
Um amor pela música. Uma forma de comunicação que não é do homem mas talvez a mais humana de todas.
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Entrevista por Teresa Montez
