Numa fase em que acaba de celebrar cinco anos desde que se assumiu como Benjamim, estivemos à conversa com o músico antes do seu concerto no pátio do Centro Cultural Vila Flor. Olhamos para trás, mas também para o presente (ainda) condicionado pelo Covid-19 e para o futuro, que chega com “Vias de Extinção”, o disco novo que está quase a sair.
Lançaste o single “Vias de Extinção” há cerca de dois meses, como é que está a ser a aceitação do público?
Penso que está a ser boa. Eu não tinha grandes expectativas porque a música tem mais de 5 minutos e é sempre um bocado arriscado lançares um single tão grande e tão longo. Há sempre a questão do tempo nas rádios, mas tem passado. Portanto, estou muito contente.
Achas que o sucesso e o amor que o público tem pelo “Auto-Rádio” fez aumentar a pressão para este novo trabalho?
Acho que mais do que o “Auto-Rádio”, até o “1986” ainda teve mais. As coisas foram gradualmente crescendo de uma maneira muito orgânica. Ou seja, a coisa não explodiu e, de repente, não é uma cena gigante. É algo que vai acontecendo e os nossos concertos vão devagarinho sendo maiores e vamos tendo mais público.
Esse amor pelo Auto-Rádio que falávamos, ficou bem patente ainda agora que ele fez 5 anos com várias manifestações de afeto nas redes sociais e com cada vez mais pessoas interessadas…
Por acaso, já é um disco que para mim está tão distante… Mas é engraçado, porque nós fomos fazer uma temporada no MusicBox há um ano (maio de 2019) e fizemos uma noite em que o tocamos todo de uma ponta à outra e foi muito curioso ver uma reacção nas pessoas que eu não estava à espera. Acho que foi a noite em que mostraram mais entusiasmo em relação ao concerto, e isso para mim, foi muito surpreendente.
Passaram também cinco anos desde que te assumiste como Benjamim. Qual é o balanço que fazes?
Tem sido muito positivo, e eu estou muito feliz. Estou a fazer aquilo que eu quero e ao mesmo sinto que ainda há muita coisa que eu quero fazer. É um caminho que começou há 5 anos, mas que ao mesmo tempo ainda só tem 5 anos.
Regressaste há uns dias aos palcos no Eléctrico com a Lena d’ Agua, como é voltar a tocar ao vivo? Quais é que são as tuas expectativas para esta fase ainda Covid?
As expectativas é que já não é mau que existam iniciativas e concertos como o de hoje (26 Jun/Guimarães). Estamos aqui e eu posso tocar, mesmo estando as pessoas com máscara e separadas. Podem ver um concerto e eu posso tocar para elas, e comunicar e podemos estar juntos. Isso para mim, com o que está acontecer agora, já é magnífico. Espero que isto comece lentamente a abrir, e que estes eventos se vão normalizando até este vírus finalmente desaparecer.
O que é que sentes que tem que mudar depois disto? Tanto nas pessoas como nas instituições, em relação ao valor e à forma como tratamos a cultura, o que temos que aprender nesta fase e guardar para um mundo pós-Covid?
Nós estamos e temos que estar sempre a aprender. Esta coisa que nos está a acontecer é algo que ninguém esperava, porque ninguém há um ano atrás contava estar a viver este pesadelo. O que nós podemos aprender todos juntos é que, se calhar devíamos olhar um bocadinho mais para as coisas que estão a ser feitas cá dentro. Há muita coisa cá dentro à espera de ser descoberta. E muita coisa cá dentro que precisa de ajuda para se desenvolver também. A nossa cultura desenvolve-se à medida que o interesse do público também vai crescendo, e à medida que ele aumenta isso também pode potenciar haver cada vez mais coisas. E nós precisamos disso, para que a música portuguesa se desenvolva, para que daqui a 20 anos tenha uma dimensão ainda maior. E também para que os palcos principais dos festivais possam ter bandas portuguesas, e que isso seja uma coisa normal e não uma excepção, como é até agora.
Ainda para mais agora com isto tudo, os festivais que vão e podem acontecer vão ter que se virar muito mais para a música portuguesa. Isso não é necessariamente mau. É uma oportunidade para que nós: músicos, agentes culturais e artistas aproveitem para surpreender o público.
Ou seja, aproveitar tudo isto que está a acontecer para plantar sementes de festivais, cada vez mais assumidamente de música portuguesa ou com maior destaque nela…
Sim exactamente, as pessoas virarem-se mais para dentro. Não festivais só necessariamente de música portuguesa, até porque é muito bom ter cá bandas estrangeiras para vermos e ouvirmos o que está a acontecer lá fora, mas talvez o próprio público fazer pressão sobre a necessidade e o sentido de mais programação com coisas portuguesas.
O que tens andado a ouvir, ou a ver por estes dias?
Agora tenho andado a ouvir o novo álbum do Bob Dylan. Ainda estou a começar a entrar nele, mas de resto pouca coisa nova. Tenho ouvido umas coisas assim mais antigas. Não tem sido assim uma altura muito boa para mim para consumir. Vejo séries mas mais para adormecer o cérebro.
O que te serviu de inspiração para o novo “Vias de Extinção”?
É um aglomerado dos últimos dois anos. Foi feito um bocado perdido na noite assumidamente. Assim como uma espécie de exorcismo de uma fase da minha vida que na verdade desapareceu com esta história da quarentena. Foi influenciado muito por sair à noite e ouvir música electrónica, daquela que tu vais consumir para dançar. Isso pesou muito na música que eu andei a fazer nessa altura. Depois malta como o Arthur Russel por exemplo, que é uma referência.
Então podemos esperar algo muito diferente dos trabalhos anteriores?
Sim, é um disco em que não há nenhuma canção à guitarra por exemplo. Há algumas guitarras, mas só como apontamento. Com algum piano (como no primeiro single) mas é muito sintetizadores, muito teclados. É um corte, mas com algumas coisas do Auto-Rádio e 1986. É um disco muito pessoal, mas ao mesmo tempo muito cru. É direto, não tens nenhuma canção como a “Disparar” ou a “Terra Firme”. É de certa forma, mais egoísta e egocêntrico.
Então isso significa que será um disco só teu e sem colaborações…
Sim, é um disco meu com a minha banda, sem colaborações. Há a Isabel, a Margarida e a Joana Campelo que também cantaram no disco, mas de resto eu resolvi que neste trabalho não queria fazer duetos nem colaborar com ninguém porque tal como dizia, é um disco egoísta. Até porque o meu último disco, é em parceria com o Barnaby Keen, e tu aí cedes 50% do teu espaço ao outro, porque é um processo em que tu tens de te libertar do teu ego e aceitares o input do outro. Mas aqui, eu senti que era uma coisa que queria fazer só eu.
Para além da tua carreira a solo também tocas com alguma regularidade em outros projetos, e também tens um trabalho reconhecido como produtor, o que te desafia e te dá mais “pica” fazer?
O que me dá mais pica é isto, fazer e gravar as minhas canções e tocar com a minha banda. Para mim é o que eu gosto mais de fazer. Mas isto só não me chega, porque acaba por ser uma coisa muito egocêntrica e uma das coisas boas da música é tu partilhares. Gosto muito de tocar nos Tape Junk e ser o gajo das teclas. Estou lá atrás a curtir e a tocar.
Quando estou a produzir estou a dar o meu input claro, mas estou a colaborar e a participar no trabalho de alguém que é algo musicalmente muito importante para mim, alimenta muito o meu espírito e ajuda-me a encontrar um equilíbrio.
O que podemos esperar para esta nova tour e para os concertos do “Vias de Extinção”?
A ideia disto é, ao contrário do “Auto-Rádio”, não fazer muitas vezes a solo. Ter comigo a minha banda. Este é um disco que tem malhas mais dançáveis que eu quero muito poder tocar com eles. É inevitável eu ir tocar a solo, mas é uma coisa pensada para não estar sozinho, até pelo efeito visual que pode ter com os vários sintetizadores analógicos e os teclados. Mas claro, a vantagem deste projeto é que se há um sítio mesmo fixe para ir tocar, por exemplo uma tasca como o ano passado aqui em Guimarães, eu não me importo de agarrar na guitarra e ir tocar, mas o ambiente deste disco não é tanto esse.
Entrevista a Luís Nunes (Benjamim) no pátio do Centro Cultural Vila Flor (26/06/2020)
Fotografias de: Alexandra Fernandes
Reportagem: Mikael Gonçalves
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