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Benjamin Clementine, quando tudo nele é Literatura…

É oficial: em 4 anos o britânico descoberto nas ruas de Paris, atuou em Portugal mais de 20 vezes! Já o vimos sozinho, acompanhado de bateria, por cordas e até por um magnânimo coro. Desta vez, com a digressão europeia An Evening with Benjamim Clementine & His Parisian String Quintet, prontamente soubemos como se faria acompanhar. Terminou a tour no Coliseu do Porto dia 10 de junho e ali a poesia foi novamente música.

O amor por terras lusas é evidente e correspondido. Das 24 cidades europeias onde atuou, 8 são portuguesas e 6 delas viram-se com sala esgotada. De todas as suas passagens por cá, é impossível não destacar que o romance se intensificou em 2015 no Vodafone Mexefest e solidificou-se no Vodafone Paredes de Coura em 2017.

Além disso, tivemos oportunidade de perceber a 100% o seu propósito nesta entrevista tão sincera. Sendo, inevitável refletir sobre tantas coisas importantes que nos disse, entre elas:

Without literature, I don’t think I would be able to compose or write anything. They are my tools…

Não é de todo disparatado pensar que se encontra possuído por dois espíritos: Nina Simone e Leonard Cohen. Mas a maneira como interpreta e escreve os seus temas é claramente sua.

Mas, porque tudo nele é literatura?
Depois de uma primeira parte sublime a cargo do texano Beaven Waller, um Coliseu praticamente esgotado esperava ansiosamente o britânico Benjamin Clementine e o seu quinteto de cordas parisiense. A plateia foi apelando pelo artista entre palmas e fortes assobios. O quinteto entra num palco sóbrio, seguido de Sainte-Clémentine que nos aparece novamente descalço e de altura imponente. Desta vez deixou o terno azul na gaveta, está de túnica branca e volumosa, e com umas calças lúgubres.

Iniciou esta verdadeira contemplação de arte (chamar-lhe apenas concerto é pouco) com o tema Winston Churchill’s Boy, a 1ª canção do seu 1º álbum At Least for Now (2015). É de imediato que se dá a comprovação de que tudo aqui saiu da mente de um ser literário. Certamente, as famosas palavras de Winston Churchill em 1940 “Never was so much owed by so many to so few” pairam ainda na memória de alguns. Mas reescrição das mesmas quando ecoa “Never in the field of human affection / Had so much been given for so few attention”, reencaminha-nos para a relação que Benjamin tem com o século XXI (não, não vos vamos aborrecer com pormenores, mas convidamos cada um a tentar interpretar o sentido todo da letra, pois é algo que vale a pena ser estudado). A maneira como declama versos na terceira pessoa “Where is your family?/ Where are your loved ones?”, não lhe confere apenas uma execução teatral, mas sim, sentida. Sentida por nós e por ele.

No fim, quando já não há mais versos para declamar, o artista circunda os membros do seu quinteto. À medida que Barbara Le LiePvre acelera os acordes no violoncelo, Clementine acelera o passo. Continua acelerando, até ficar numa espécie de corrida entre ele mesmo e a própria sombra, sob uma luz no ecrã de fundo verde. E cessa a correria ao mesmo tempo da última nota, permanecendo ali, de costas viradas para a plateia ao lado do seu fiel piano. Isto senhoras e senhores, também é literatura.

Os aplausos foram unânimes e fervorosos. Quase que deu para sentir cada coração palpitante, é que todos nos deixamos consumir com um início de concerto tão forte.

De seguida, mergulhamos rapidamente até ao álbum I Tell a Fly de 2017, com God Save the Jungle e One Awkard Fish. Mas Condolence faz-nos voltar ao 1º disco e como sempre, mereceu ovações de pé. Ficamos ainda entre 2013 e 2015 até ao encore. Sempre a ser contemplados pelo mesmo tom na performance, o tom de um cantautor. O tom de um poeta que veio de Londres para viver nas miseráveis ruas de Paris, depois de uma infância perturbada pelo impedimento de seguir os seus sonhos. Perturbada por ser quem é: um verdadeiro poeta lírico do seu tempo. Contudo não recorre à lira nem flauta, mas sim ao piano.

Durante o espetáculo, recordamos afirmações de Clementine:

Poetry itself is music. I’m just lucky that I can convert it into music. William Blake is my favorite poet of all time, and he said that he wasn’t quite familiar with the sounds of music. If so, he would have been a musician. All of his poems are all like songs, and that’s how I always try to start my thoughts.

Sempre teve tempo para correlacionar as suas próprias vivências com as situações sociais (e políticas) típicas desta segunda década do século. Por isso, para encore deixou-nos novamente com temas menos antigos: Paris Cor Blimey cuja letra é impossível não ligar à conjuntura política francesa ainda atual; Phanton of Allepoville cuja abordagem da sua experiência com o bullying de alguma forma se compara com o bullying feito na guerra Síria (algo que merece igualmente ser estudado) e despede-se com Farrewell Sonata que é a 1ª canção do seu 2º álbum onde entrou pela plateia e percorreu novamente uma sala bem atenta à sua figura.

Não foi à toa que escolheu as 3 canções acima referidas para terminar esta perfomance e esta tour. Tudo em Benjamin é pensado e estudado. Tudo é literário, mas a maneira como a sua mensagem chega até nós é perfeitamente perceptível para todos (forte influência de William Blake). Algo que já lhe valeu um Mercury Prize em 2015 e a condecoração de chevalier pela Ordem das Artes e das Letras do Ministério da Cultura Francês. Aguardamos agora com expectativa um terceiro disco, que a ser verdade o que disse numa entrevista, provavelmente será o seu último. Algo que deixa a fasquia muito mais elevada. Mas nós cá estaremos sempre para o receber, ver e ouvir de novo.

Texto: Ana Duarte

Foto: Banco de Imagens

(Originalmente publicado no dia 12 de Junho de 2019 no site musicfest.pt)

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